Série “desconstruindo antigos mitos”

Série “desconstruindo antigos mitos”

Tem circulado pela mídia, alertas sobre os riscos de afogamentos horas após a criança ter saído de dentro da piscina.

Este tipo de alerta, é perigoso, pois assusta desnecessariamente pais e responsáveis que acabam não querendo mais levar suas crianças a piscina ou a natação. Um prejuízo imenso em vários aspectos.

Em 2002, durante o I Congresso Mundial Sobre Afogamentos (WCOD), uma nova definição de afogamento e terminologia foi estabelecida em consenso e esta em uso atualmente pela Organização Mundial de Saúde.
• Afogamento é a “Aspiração de líquido não corporal por submersão ou imersão”.
• Resgate é a “Pessoa socorrida da água, sem sinais de aspiração de líquido”.

O desconhecido impacto que o afogamento representa para a Saúde Pública deve-se, em parte, à enorme confusão e uso inadequado de definições e diagnósticos errôneos.

O processo de afogamento é um continuum, que começa quando a via aérea do paciente está abaixo do nível da superfície líquida, ou recebe um “splash” de água, que, se não interrompida, pode levar ou não à morte. O termo “quase afogamento (near-drowning)” foi abandonado, pois tal termo não existe. Ou a pessoa aspirou água e é um afogado, ou não aspirou e trata-se apenas de um caso de resgate. Assim termos confusos como afogamento “seco” e afogamento secundário foram definitivamente eliminados.

Afogamento tipo seco não existe – Se a necrópsia não evidenciar água no pulmão, a vítima provavelmente não estava viva quando entrou na água. Nem todas as pessoas que se afogam aspiram água em quantidade. Aproximadamente menos de 2% dos óbitos parecem ocorrer por asfixia secundária a laringoespasmo, portanto sem aspiração de líquido importante. O termo “afogado seco” muito utilizado no passado foi recentemente extinto da nomenclatura, já que todos os afogados aspiram alguma quantidade de liquido.

Quando se fala em AFOGAMENTO SECUNDÁRIO não se trata de um afogamento que aconteceu horas após o lazer na água, como se entendia antigamente quando a denominação era utilizada como significado de complicação de um afogamento que estava em boa evolução.

Hoje em dia, o conceito “afogamento secundário” é totalmente diferente, sendo um processo causado por patologia associada que precipita o afogamento, já que possibilita a aspiração de água pela dificuldade da vítima em manter-se na superfície da água. Ocorre em 13% dos casos de afogamento como exemplo; Uso de Drogas (36.2%)(quase sempre por álcool), crise convulsiva(18.1%), traumas(16.3%), doenças cardio-pulmonares (14.1%), mergulho livre ou autônomo(3.7%), e outros (homicídio, suicídio, lipotimias, cãimbras, hidrocussão) (11.6%).

ENTÃO O QUE PODE TER OCORRIDO COM ESTAS CRIANÇAS?
O primeiro ponto é ter certeza de que houve ou não o diagnóstico de afogamento. A ocorrência do afogamento é evidente se houve produção de tosse ou evidente aspiração de água durante o lazer na água.

Caso tenha a possibilidade de um afogamento, a criança deverá ser atendida em emergência, mesmo que seja um caso leve e deverá ficar sob observação durante algumas horas. Existe nestes casos a rara possibilidade de uma complicação chamada de Síndrome de angústia respiratória aguda (SARA) (veja mais abaixo), e isto deve e pode ser monitorado em casa se a oxigenação estiver normal.

Por fim, e mais provavelmente, algumas situações diferentes do afogamento podem ter sido responsáveis pelo edema agudo que surgiu nestes raríssimos casos descritos em crianças. Citamos uma a uma abaixo:
1. Síndrome de angústia respiratória aguda (SARA) – É o desconforto respiratório decorrente de uma lesão pulmonar aguda.
CAUSAS TÓXICAS: Aspiração de hidrocarbonetos, inalação de irritantes (cloro, NO2, fumaça, ozônio, altas concentrações de oxigênio, fumos metálicos, gás mostarda)
Paraquat, Opióides (heroína, morfina, dextropropoxifeno ou metadona).
CAUSAS NÃO TÓXICAS: Aspiração pulmonar (freqüentemente ocorre associada à intoxicação), Doença sistêmica aguda e grave, como infecção, trauma ou choque.
2. Edema pulmonar agudo cardiogênico: Alguma causa cardíaca promoveu o edema pulmonar.
3. Pneumonia bacteriana ou viral – Alguma infecção pulmonar de importante monta e alta agressividade poderia ter afetado a criança.

Obviamente, a história médica do ocorrido pode esclarecer caso a caso o diagnóstico correto, mas definitivamente o termo afogamento secundário ou tardio, como se tivesse ocorrido horas após um tranqüilo dia de lazer na piscina ou na praia não existe, é um mito repetido ao longo dos anos e deve ser eliminado.

Dr David Szpilman
Diretor Médico da SOBRASA
Ten Cel BM Médico RR – Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro
Defesa Civil Municipal do Rio de Janeiro – SUBSDEC
Membro Fundador – International Drowning Research Alliance – IDRA
www.SOBRASA.org e facebook.com/SOBRASABrasil