Afogamento para Suporte Avançado de Vida

AFOGAMENTO – ACLS (Setembro de 2002)
Dr David Szpilman
“Deus criou o mundo, a VIDA, e dela surgiu o ser humano, Os anjos foram enviados por Deus para nos guardar, O primeiro anjo a entrar no mar chamou-se GUARDA-VIDAS” (Szpilman 1999).

INTRODUÇÃO
A cada ano mais de 500.000 pessoas falecem em decorrência de afogamento em todo mundo (1). No Brasil o afogamento representa a 2a causa “mortis” na faixa etária de 5 a 14 anos. Anualmente 7.500 brasileiros morrem, aproximadamente 600 vítimas não são encontradas, um milhão e trezentos mil são salvos em nossas águas, e 260.000 são hospitalizados, vítimas de afogamento (2,3). Estes dados catastróficos impulsionaram um grande avanço nesta área nos últimos 10 anos. O acesso às informações de saúde permitiu importantes mudanças nos métodos de prevenção e na melhoria do estudo de afogados modificando radicalmente o conhecimento da fisiopatologia, das fases do processo de afogamento e principalmente da abordagem ao afogado proporcionando uma redução de 18% na mortalidade por afogamento nos últimos 20 anos(1979-1998) (2).
O afogamento é considerado como “Trauma” e contribui com uma parcela significativa na mortalidade Brasileira hoje em dia. Quando avaliamos a mortalidade no contexto geral considerando todas as idades, o trauma se encontra em segundo lugar ficando atrás apenas das doenças do aparelho circulatório com 249.639 (27,63%) mortes(3). O afogamento diferentemente de outras doenças ocorre inesperadamente na grande maioria das vezes, o que gera invariavelmente uma situação caótica dentro do âmbito familiar. O afogamento está em sua grande
maioria relacionado ao lazer familiar e é geralmente testemunhado por ela, ou menos freqüentemente se insere em seu contexto. Situações de catástrofe familiar podem ser observadas quando famílias inteiras se afogam juntos, por desconhecimento, ou pela tentativa infrutífera de salvar uns aos outros. A perda de um ente querido de forma inesperada é sempre um desastre emocional familiar, e ainda pior quando este ser é jovem e com uma grande expectativa de vida ainda por vir. Citando a mãe de uma vítima de afogamento “um filho jamais deveria
morrer antes dos pais”.

HISTÓRIA DO AFOGAMENTO (4)
Senhor, Senhor! methought, que dor era se afogar!
Que ruído terrível de águas em minhas orelhas!
Que visões feias da morte dentro meus olhos!
Methought eu vi mil naufrágios temerosos
Dez mil homens que pescam roeram em ti.
King Richard III (William Shakespeare)

Dentre as causas externas, o afogamento foi sem dúvida um dos primeiros a causar preocupações e chamar a atenção da humanidade, tendo várias passagens bíblicas onde se descrevem as primeiras tentativas de ressuscitação em afogados. É verdade que na época a ocorrência de homicídios, suicídios, acidentes de transportes e doença coronariana eram bem menores, prevalecendo a maior
preocupação com os casos de afogamento. A era Renascentista embora tenha significado o despertar de uma importante
atividade intelectual, se desenvolveu dentro de conceitos e crenças do cristianismo. A ciência ortodoxa da época considerava que ao morrer o espírito tinha de ser julgado, e esta “vontade de deus” não podia ser contrariada. A possibilidade de tentar uma ressuscitação era considerada uma blasfêmia. Passamos ao século 18, onde a aceitação do conhecimento do corpo humano tornou-se mais aceita, e com ela a necessidade de desenvolvimento de métodos científicos que levassem ao conhecimento, em um período chamado “Iluminismo”. Os
líderes intelectuais da época proclamaram que o mundo podia ser mais bem entendido através da ciência e que os meios para chegar a verdade eram os métodos científicos.

Os quatros principais componentes da ressuscitação (respiração, compressão-circulação, fenômeno elétrico e serviços de emergência) começaram a ser conhecidos e desenvolvidos. Na época, as mortes que ocorriam inesperadamente (morte súbita) eram as que mais provocavam ansiedade e desespero. A causa mais freqüente na época era o afogamento. O homem tentava restaurar o calor e a vida ao corpo frio e inerte, aplicando objetos quentes sobre o abdome ou chicoteando-o com urtiga ou outros instrumentos. Nos períodos compreendidos entre, o século 18 e o século 20, diversos métodos manuais de reanimação foram utilizados, alguns até como rituais. O índio norte-americano enchia a bexiga de um animal com fumaça e depois passava a espreme-la no reto da vítima afogada. Os métodos de ressuscitação na sua maioria visavam insuflar ou desinsuflar os pulmões, manipulando o tórax e/ou o abdome da vítima. A maioria, porém, sem conhecimento fisiológico adequado, raramente resultava em sucesso. Uma das primeiras citações científicas sobre a utilização da respiração boca-a-boca na ressuscitação apareceu no ano de 1744. Um cirurgião Escocês, William Tossach, utilizou a manobra para reanimar com sucesso uma vítima asfixiada por inalação por fumo.

O ápice do movimento de preocupação com a ressuscitação e o afogamento surgiu no século XVIII na Europa, mais especificamente na Holanda por sua liderança no setor naval na época e as grande ocorrências de naufrágios. O primeiro esforço organizado na luta contra a morte súbita foi realizado em Agosto de 1767, na cidade de Amsterdã, com a criação da primeira sociedade de ressuscitação “Maatschappij tot Redding van Drenkelingen” (Sociedade para Recuperar vítimas de afogamento – existente até os dias de hoje). As sociedades de resgate de afogados se difundiram rapidamente por toda Europa, assim como nos EUA. Estas Sociedades tinham como objetivo principal encontrar o caminho para a ressuscitação com êxito e começaram a difundir informações sobre os cuidados na recuperação de vítimas de afogamento e outros tipos de asfixia. Quatro anos depois de iniciado o trabalho da Sociedade em Amsterdã, 150 vítimas de afogamento haviam sido salvas seguindo às recomendações (“guidelines”) da época:
a)Aquecer a vítima (recomendado até hoje)
b)Remover roupas molhadas (recomendado até hoje)
c)Drenar água dos pulmões posicionando-se a vítima com a cabeça mais baixa que os pés (parou-se de recomendar em 1993).
d)Estimular a vítima com técnicas tais como instilação de fumaça de tabaco via retal ou oral (parou-se de recomendar em 1890).
e)Utilizar o método de respiração boca-a-boca (recomendado até hoje)
f)Sangrias (parou-se de recomendar há mais de 60 anos).

Não havia na época um limite de tempo para a reanimação, considerando-se 6 horas um tempo razoável para o esforço de ressuscitar.
Com a intenção de retirar a água, posicionava-se a vítima de afogamento com a cabeça mais baixa que o tronco. Na tentativa de melhorar esta manobra foi adicionada a pressão do tórax, de forma a aumentar a saída desta água. Desta maneira nascia de forma espontânea e ao acaso a ventilação artificial indireta. Muitas vidas foram salvas desta forma. Fazia-se o certo por razões erradas.
Em 1817, um médico Inglês, professor de medicina, Marshall Hall (1790 a 1857) publica seu livro, intitulado “Handbook of National Science of Medicine for Theologist”, no qual a compressão cardíaca e a respiração boca-a-boca eram preconizadas como métodos de reanimação. Foram feitas várias considerações como: perda de tempo no transporte da vítima; a tentativa de restaurar a temperatura sem fazer ventilação artificial era perigoso e ineficaz; a exposição da vítima ao ar fresco era um benefício e o fato de a posição supina bloquear as vias aéreas com a queda da língua sobre a faringe. Surgiu então a proposta de alternar a posição do corpo, abaixando-o e elevando-o alternadamente, 15 vezes por minuto, conseguindo-se volumes de ventilação (70 a 240 ml) que poderiam recuperar uma vítima. Pouco tempo depois, Henry Silvester sugeriu elevar os braços da vítima sobre sua cabeça, de forma a expandir desta maneira a caixa torácica facilitando a entrada de ar aos pulmões, e em seguida o socorrista colocava as mãos da vítima e as suas por sobre o peito do afogado de forma a comprimir o tórax e exalar o ar.

Benjamin Howard, um médico de Nova York, criticou as manobras de Hall e Silvester e descreveu seu próprio método, conhecido como método direto. Colocava-se a vítima sobre uma elevação e enquanto um ajudante segurava a língua, o ressuscitador realizava pressão, iniciando no abdome superior até o tórax em uma freqüência de 15 vezes por minuto. Em 1884, Braatz sustenta a recomendação da compressão cardíaca e respiração artificial como método de tratamento da parada cardíaca. Em 1890, a “Royal Lifesaving United Kingdom” (Sociedade de Salvamento aquático do Reino Unido – existente até hoje e responsável pelo salvamento aquático na Inglaterra) formou um comitê para avaliar as técnicas existentes. O presidente do comitê, Edward Schafer, considerou todas as manobras ineficientes e criou uma nova manobra técnica chamada de “Prono-pressão”.

Apesar de toda oposição que teve, a Cruz Vermelha Americana começou a ensiná-la em 1910 (20 anos após). O método de Schafer tornou-se muito popular devido a sua simplicidade de aplicação, requerendo apenas uma pessoa. Consistia em realizar a expiração ativa e a inspiração passiva e ficou conhecido como método indireto de ventilação artificial. Existiam amplas variações geográficas na mecânica de seu método de ventilação artificial. O método de Silvester teve maior difusão na Alemanha, Holanda e Rússia, enquanto o método de Schafer se desenvolveu principalmente na Inglaterra, França e Bélgica e os países Americanos. Na Dinamarca, em 1932, o Coronel Holger Nielsen desenvolveu seu próprio método que combinava as melhores partes das duas técnicas.

No Brasil, com seu grande litoral em praias e com o turismo desenvolvido na Cidade do Rio de Janeiro, o processo de desenvolvimento da ressuscitação acompanhou de forma semelhante o que ocorreu em todo mundo (Entra foto 6). Todos os métodos de ventilação indireta (Schafer, Holger-Nielsen, Marshall Hall, Howard, Silvester, e outros) foram idealizados com dois propósitos principais :
a ventilação artificial e a retirada de água do pulmão nos casos de afogamento. Todos tiveram grande sucesso no princípio do século e certamente ressuscitaram muitas vítimas da morte. Todos eles utilizavam o princípio contrário a fisiologia do organismo, onde a inspiração era passiva e a expiração era ativa, desta forma o volume corrente produzido era geralmente inferior ao necessário. Estes métodos são extremamente cansativos para o socorrista e difíceis de serem mantidos além de 5 minutos. Foram baseados na idéia de retirar água do pulmão do afogado, o que hoje em dia se mostra desnecessário e até prejudicial. Foram idealizados antes da noção da compressão cardíaca, sendo possível ainda sim sua realização conjugada, porém com grandes dificuldades em casos de PCR. Nos casos de trauma cervical é impossível a sua realização. Nos casos específicos de afogamento estes métodos indiretos de ventilação não podem ser realizados dentro da água, o que hoje em dia é uma prioridade.

A partir da metade do século 20, com a melhor compreensão da fisiologia aliada a pesquisa, os métodos de ressuscitação foram aperfeiçoados. Diversas conferências sobre reanimação foram realizadas, entre elas a pioneira de 1948, realizada pela “National Academy of Science – National Research Council” (NAS-NRC), promoveram a divulgação e o debate amplo entre sociedades e autoridades médicas, na tentativa da padronização de condutas.

Em 1949, Archer Gordon realizou trabalhos de investigação em estudantes anestesiados, curarizados e entubados. Faz menção a respiração boca-a-boca, mas não a realiza. Conclui que, nenhum dos métodos propostos até o momento, nem mesmo suas combinações, ofertam quantidade suficiente de ar (100/500 ml). James Elam foi o primeiro investigador contemporâneo que demonstrou que o ar expirado através do boca-a-boca era suficiente para manter uma adequada oxigenação. Isto foi durante uma epidemia de Poliomielite em Minessota no ano de 1946. Em viajem de automóvel a Kansas para um congresso médico, foi acompanhado por outro médico que se interessou por sua experiência. Este médico dedicou sua vida a investigação da ressuscitação – Dr Peter Safar. Realizou experiências em voluntários anestesiados que lhe permitiram chegar em 1957 a três conclusões principais sobre a respiração boca-a-boca :

1. Simplesmente inclinando a cabeça da vítima para trás se pode abrir as
vias aéreas.
2. A respiração boca-a-boca fornece uma excelente respiração artificial.
3. Qualquer pessoa pode aplicá-la facilmente e de forma efetiva. O método boca-a-boca foi adotado pelo exército dos EUA em 1957 e pela Associação Americana de Medicina (AMA) em 1958. Nesta época, o médico Brasileiro Dr John Cook Lane, contribuiu efetivamente para a pesquisa e difusão destes métodos em nosso país.
No ano de 1883 o Dr. Franz Koenig propõe em seu livro, a compressão torácica como técnica para ventilar um paciente de forma artificial.

Embora na posição correta para a compressão cardíaca, ele a descreve para outro fim. Seu assistente, Dr. Friederich Maass, durante a cirurgia de um jovem de 18 anos que havia tido uma parada cardíaca durante a indução anestésica, inicia as manobras antes descritas, a princípio lentamente, simulando o ritmo ventilatório. Diante a falta de resposta aumenta a freqüência, chegando a 120 compressões por minuto, e observa que o pulso carotídeo se recupera, e em alguns minutos o paciente se encontra bem. Em 1901, Kristian Igelsrud recuperou uma paciente com massagem cardíaca interna ao final de uma anestesia, com recuperação em 1 minuto. O primeiro caso Americano de massagem cardíaca (como era denominado até poucos anos atrás) fechada ocorreu em 1904, quando o Dr George Crile ressuscitou uma mulher de 28 anos de idade cujo coração parou durante o ato cirúrgico. Não se tem conhecimento do porque as técnicas de compressão cardíaca não foram mais difundidas. Talvez porque, a parada na respiração a princípio, parecia mais evidente e por esta razão deve ter sido mais investigada. Na realidade a técnica de compressão torácica na circulação artificial foi simplesmente ignorada até o início dos anos 60 quando foi redescoberta.

O redescobrimento parece ter sido acidental no laboratório do Dr. William Kouwenhoven na universidade John Hopkins em Baltimore. Junto com os Drs. Guy Kinckerbocker e James Jude, descrevem a massagem cardíaca após uma série de observações. Publicam seus resultados sobre 20 casos de parada cardiorrespiratória intra-hospitalar no ano de 1960 na revista JAMA. Entre os anos de 58 e 61, a respiração se combinou finalmente com a circulação artificial (compressão cardíaca): Nascia a Ressuscitação Cárdio-Pulmonar – RCP.
Iniciasse assim uma nova época onde a campanha anuncia “qualquer um, em qualquer lugar, pode iniciar a Ressuscitação Cárdio-Pulmonar – RCP”. Houve então um período de demonstrações por todo mundo onde, Safar, Kinckerbocker, e Jude explicariam que “as duas técnicas não deviam ser consideradas como unidades separadas e sim que ambas formavam parte de um mesmo ”procedimento salvador”. No ano de 1962, Gordon e Adams produzem um filme de treinamento de 27 minutos chamado “O pulso da vida”. Este filme foi utilizado em cursos de RCP por todo mundo e visto por milhões de estudantes. Para aumentar o aprendizado foi utilizada chave mnemônica para a ordem das manobras. Estava criado o “ABC da Vida”. A – Abrir as vias aéreas (“Airways”), B – Boca-a-boca (“Breath”), e C – Circulação (“Circulation”) explicando a seqüência completa da RCP (o Dr Peter Safar faleceu em Julho de 2003).


Por volta de 1960, Laerdal desenvolveu um manequim de treinamento em RCP. O rosto da manequim foi inspirado no busto de mulher desconhecida que morreu afogada em 1930 no rio Sena. O nome da mulher nunca foi identificado, e a manequim recebeu o nome de “ANNE”, sendo mundialmente conhecida como “resusci-anne”. No ano de 1966, as recomendações são reconhecidas pela American Heart Association – AHA e Cruz Vermelha Americana, e finalmente publicada em definitivo, e de forma completa, na JAMA.

A história do afogamento no Brasil se iniciou na Cidade do Rio de Janeiro, na época capital do País, privilegiada por belezas naturais incomparáveis, com grande destaque as suas praias e favorecidas por clima de natureza tropical funcionaram como a principal fonte de lazer e atração turística, determinando um fluxo permanente e intenso de banhistas de todo o mundo durante o ano inteiro. Entretanto, as belezas de seu litoral na maioria das vezes escondem que suas praias, com ondas e correntezas fortes, podem tornar-se potencialmente perigosas com risco de afogamentos. Estas características tornaram a cidade do Rio de Janeiro uma das regiões com o maior índice desta forma de acidente no país. Sensível a esta realidade, em 1914, o Comodoro Wilbert E. Longfellow fundou na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, o Serviço de Salvamento da Cruz Vermelha Americana. Nesta época, o objetivo era o de organizar e treinar Guarda-Vidas voluntários, que atuariam em postos de salvamento, não apenas no Rio de Janeiro, mas por todo país, supervisionando praias desguarnecidas. Sentindo a ineficiência de tal estratégia, adotou uma campanha a nível nacional, cujo slogan foi: “Toda Pessoa deve saber nadar e todo nadador deve saber salvar vidas”, na tentativa de despertar a população para o problema da segurança nas praias de todo o Brasil. “Each person should know how to swim and each swimmer should know how to save lives.”
O Corpo Marítimo de Salvamento (CMS) teve suas raízes no Serviço de Salvamento da Cruz Vermelha, criado por Decreto do Prefeito Amaro Cavalcante, em 10 de maio de 1917, funcionando no Dispensário da praia de Copacabana.


Em 1939, o Dispensário de Copacabana foi transformado no Posto de Salvamento Ismael de Gusmão, em homenagem ao seu organizador. Naquele tempo foram construídas 18 torres fixas de salvamento ao longo da costa da Cidade do Rio de Janeiro. Um total de 120 guarda-vidas trabalhavam nas praias com o auxílio de barcos motorizados, ambulâncias, carros para transporte e uma equipe médica equipada com o que havia de mais moderno em tecnologia de ressuscitação.


A vítima resgatada era trazida à estação principal “Ismael Gusmão” aonde a equipe médica dava continuidade aos primeiros socorros realizado na praia. Nesta época o banho era restrito a algumas áreas da orla em frente às torres e a algumas horas do dia. Em Março de 1961 este posto de Salvamento foi subordinado ao Departamento de Assistência Hospitalar do S.A.A, passando em agosto deste mesmo ano à responsabilidade do Departamento de Segurança Pública.


O crescimento demográfico explosivo, a intensa emigração para a cidade do Rio de Janeiro e a melhoria das condições de vida da população a partir dos anos cinqüenta, provocaram um aumento do contato do homem com o mar, alertando as autoridades da época para a necessidade da criação de um serviço de salvamento e resgate especializado em acidentes aquáticos. Criou-se, então, em 1963, o Corpo Marítimo de Salvamento – Salvamar, subordinado à Secretaria de Segurança Pública, que iniciou suas atividades com um grupo pequeno de amadores recrutado entre pessoas com afinidade e experiência para este tipo de socorro na praia.

Em 1967, foi aprovado e criado dentro da estrutura da Secretaria de Segurança Pública, o Centro de Instrução de Salvamento e Formação de Guarda-Vidas. Do total de 60 praias, apenas 27 eram guarnecidas pelo serviço de salvamento utilizando 40 torres e 200 salva-vidas. Neste ano foram realizados 4.032 resgates na orla com apenas 17 óbitos.

Em 1968, em razão da necessidade de um atendimento médico mais rápido e eficiente, foram inaugurados os primeiros Centros de Recuperação de Afogados (CRAs), em número de 3, localizados estrategicamente na orla do Rio de Janeiro, nas praias de Ramos, Copacabana e Barra da Tijuca, com a finalidade de dar assistência médica de urgência aos casos de afogamento. Estes CRAs existentes até os dias de hoje possuem instalações médicas para atendimentos de emergências e funcionam com uma equipe de Médicos e Enfermeiros que se utilizam de ambulâncias, barcos e helicópteros para o acesso aos locais dos acidentes. Com o passar dos anos foram se modernizando e se adaptando às novas necessidades e hoje representam locais de referência em todo o Brasil para qualquer tipo de acidente aquático.

Em 1975, por determinação da Secretaria de Segurança Pública, o Corpo Marítimo de Salvamento ficou vinculado ao Departamento Geral de Defesa Civil, cujo Diretor seria automaticamente o Comandante do Corpo de Bombeiros. Em 1984, o Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro passou a competência e atribuições do Corpo Marítimo de Salvamento para o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro (CBERJ). Em 16 de outubro de 1984, foi ativado o Grupamento Marítimo – GMAR -, com uma base operacional em Botafogo e 3 Sub-grupamentos principais, mantendo em suas estruturas os CRAs anteriormente criados, de forma a estabelecer um atendimento integrado entre o resgate realizado nas praias e o atendimento médico.
Esta transição de gerência do serviço de salvamento foi um trabalho árduo e vagaroso, pois havia necessidade de treinar todo o pessoal militar nesta atividade altamente especializada, e o pessoal do extinto Corpo Marítimo de Salvamento transferiu-se quase integralmente para outra Secretaria. Alguns profissionais, entretanto, permaneceram no atual GMAR com a finalidade de treinar os militares para esta nova função. Os primeiros anos foram de muito sacrifício para Instrutores e Alunos Guarda-Vidas e o número de salvamentos e óbitos nas praias não sofreu alteração significativa. Com o passar dos anos o número de salvamentos cresceu e o número de óbitos reduziu nas praias do Rio de Janeiro, o que comprovou o acerto na decisão da mudança no sistema de Salvamento Aquático no Rio de Janeiro e o alto grau de profissionalização adquirido por seus homens.

Com o enorme litoral brasileiro de 7.408 Km, é natural que o fenômeno ocorrido no Rio de Janeiro se faria sentir mais cedo ou mais tarde em outras regiões. O serviço de salvamento Aquático adquiriu conhecimento e experiência com o passar dos anos, tornando-se um centro de formação de pessoal especializado em todos os níveis, não somente Guarda-Vidas e Instrutores, mas também na formação de pessoal médico especializado, servindo de padrão para todas as unidades da Federação e um exemplo para o mundo todo.

PREVENÇÃO E ESTATÍSTICAS EM AFOGAMENTO

A prevenção tem se mostrado o grande fator de redução na mortalidade entre as causas externas e principalmente nos casos de afogamentos. As campanhas de prevenção informam, por exemplo, que 85% dos afogamentos nas praias ocorrem nas correntes de retorno – local de aparente calmaria que funciona como o retorno da massa de água proveniente das ondas para o mar aberto – indicando este local como perigoso para o banho. Embora o ato de prevenir possa aparentemente não transparecer a população como “heróico”, são eles o alicerce da efetiva redução na morbi-mortalidade destes casos. Embora sejam grandes os esforços para melhorar o atendimento ao paciente afogado, é com a prevenção feita pelos guarda-vidas nas praias e piscinas e principalmente com campanhas de prevenção atingindo crianças em fase escolar que obteremos o maior êxito (5). Nestes anos de trabalhos do Grupamento Marítimo, a mortalidade de 0.3% dos resgates realizados nas praias do Rio de Janeiro se mostrou muito baixa (6), demonstrando que a prevenção e a intervenção precoce do guarda-vidas é o caminho certo para reduzir o número de óbitos neste tipo de acidente.

Prevenir é fundamental e prioritário no caso de afogamento.

A cada ano mais de 500.000 pessoas são vítimas fatais de afogamento em todo mundo, entretanto o seu número exato ainda é desconhecido em razão de um grande número de casos não notificados por desaparecimento sem confirmação de óbito (5,6). Ironicamente, parece que nos EUA 90% de todos os casos de afogamento ocorrem a 10m de uma medida de segurança instalada (7). Estimativas indicam que 40-45% ocorrem durante a natação demonstrando desconhecimento do perigo iminente. Na prática de esportes náuticos, os afogamentos são responsáveis por 90% dos óbitos (8). Em 1998 a população brasileira atingiu 161 milhões de habitantes, dos quais 7.183(4.44/105 habitantes) faleceram em virtude de afogamento (2). As estatísticas mostram grande variabilidade entre os estados (entra gráfico 1).

Em números absolutos observamos em ordem decrescente no ano de 1997, os cincos estados com os maiores números absolutos de óbitos: São Paulo (1.822), Minas Gerais (900), Bahia (507), Rio de janeiro (502) e o Rio Grande do Sul (447) correspondendo as maiores populações. Quando analisamos o número de óbitos pela população observamos os estados de Roraima (9.8), Acre (8.6), Mato Grosso do Sul (6.8), Amapá (6.7), e Espírito Santo (6.7) como os de maior número de óbitos relativo (por 100.000 habitantes) mostrando que estados não banhados pelo mar tem um maior risco de morte por afogamento. O Sudeste é a região de maior número de óbitos relativo (5.0) e a menor a região Nordeste (3.4). Na Avaliação de óbitos por afogamento de 1996 para 1997 observamos uma redução percentual no número de óbitos relativo de 45.74% no estado do Amapá, 35.2% em Sergipe, 22.6% no DF, 18.9% em SC, e 17,8% no Rio de Janeiro, enquanto outros estados aumentaram o seu número percentual: Paraíba 251.8%, Tocantins 58.3%, Goiás 45.7%, Mato Grosso do Sul 22.7% e o restante dos estados não tiveram alterações significativas(2,3,5). É fato que grandes acidentes aquáticos, como inundações ou naufrágios em um estado podem elevar drasticamente estes números de forma isolada não demonstrando um perfeito espelho da realidade. Nos EUA existem oito casos de afogamentos para cada caso fatal notificado (9). Nas praias do Rio de Janeiro temos aproximadamente 290 resgates para cada caso fatal (0.34%), e um óbito para cada 10 atendimentos no Centro de Recuperação de Afogados (10.6%) (10).

Os afogamentos em água doce são mais freqüentes em crianças, principalmente em menores de 10 anos. Estima-se que existam mais de 4.500 casos de morte por ano só nos E.U.A (53% em piscinas)(9), onde 50.000 novas piscinas são construídas por ano, somando-se a 2.2 milhões de piscinas residenciais e 2.3 milhões não residenciais(11). Nas áreas quentes do EUA, Austrália e África do Sul, 70 a 90% dos óbitos por afogamento ocorrem em piscinas de uso familiar (12). No Brasil, onde o número de piscinas domésticas é infinitamente menor, o afogamento em água doce ocorre mais em rios, lagos e represas perfazendo a metade dos casos fatais(13).

A faixa etária de maior ocorrência de óbitos no Brasil é de 20 a 29 anos, sem distinção entre os estados banhados ou não pelo mar. O homem morre em média 5 vezes mais por afogamento que a mulher, não havendo distinção quando menor do que 1 ano e sendo 8.7 vezes mais freqüente na idade de 20 a 29 anos(2). Nos municípios do estado do Rio de Janeiro o maior número relativo de óbitos se encontra em locais não banhados pelo mar (1).

Nas praias do município do Rio de Janeiro, aproximadamente 86% dos casos situam-se na faixa etária entre 10 e 29 anos(idade média de 22 anos). Em média, 75% das vítimas são do sexo masculino sofrendo variações conforme a idade, 83% são solteiros, 83.5% ingerem alimentos 3 horas antes do acidente, 46.6% acham que sabem nadar, e 71.4% moram fora da orla marítima (6,14).

Como podemos deduzir, a maior parte dos afogados são pessoas jovens, saudáveis e produtivas, com expectativa de vida de muitos anos, o que torna imperativo um atendimento imediato, adequado e eficaz, que deve ser prestado imediatamente após ou mesmo quando possível durante o acidente, ainda dentro da água.

DEFINIÇÃO (15,16)

É grande a confusão da definição do termo afogamento na língua inglesa. O uso do termo “near-drowning” traduzido como “quase-afogamento” é ainda hoje erradamente utilizado e significam afogados que não falecem até 24 h após o incidente e o termo “drowning” as vítimas que falecem em até 24 h. Esta nomenclatura subestima o número total de óbitos por afogamento nos países da língua Inglesa resultando em um grande erro no perfil epidemiológico. Vários autores demonstraram sua preocupação quanto a esta definição imprecisa em uso, mostrando que ela esta em desacordo com os parâmetros prognósticos internacionais definidos em “Utstein-style”. Em Agosto de 2000, com a edição dos novos “Guidelines” da “American Heart Association” aprovados pelo ILCOR (17), e com a realização do Congresso Mundial de Afogamento em 2002 realizado na Holanda, o termo quase-afogamento caiu definitivamente em desuso. Apresentamos abaixo a nova definição de afogamento.
@ Afogamento (Drowning): aspiração de líquido não corporal por submersão ou imersão.
@ Resgate: Pessoa resgatada da água sem sinais de aspiração líquida.
@ Já Cadaver: morte por afogamento sem chances de iniciar ressuscitação, comprovada por tempo de submersão maior que 1 hora ou sinais evidentes de morte a mais de 1 hora : rigidez cadavérica, livores, ou decomposição corporal.

CAUSAS de AFOGAMENTO (14).

a – AFOGAMENTO PRIMÁRIO – É o tipo mais comum, não apresentando em seu mecanismo nenhum fator incidental ou patológico que possa ter desencadeado o acidente.
b – AFOGAMENTO SECUNDÁRIO é a denominação utilizada para o afogamento causado por patologia ou incidente associado que o precipita. Ocorre em 13% dos casos de afogamento, como exemplo; Uso de Drogas (36.2%) (quase sempre por álcool), crise convulsiva(18.1%), traumas(16.3%), doenças cardio-pulmonares (14.1%), mergulho livre ou autônomo(3.7%), e outros (homicídio, suicídio, lipotimias, cãibras, hidrocussão) (11.6%). O uso do álcool é considerado como o fator mais importante na causa de afogamento secundário

TIPOS DE ACIDENTES NA ÁGUA E FASES DO AFOGAMENTO(9)

Os três diferentes tipos de acidentes na água e as fases do
afogamento são sintetizadas na Figura 1(18). A “Síndrome de imersão”(Immersion syndrome)(19) ou vulgarmente chamado de “choque térmico” é uma síncope (provocada por uma arritmia do tipo bradi ou taquiarritmia) desencadeada pela súbita exposição a água com uma temperatura 5C abaixo da corporal. Pode ocorrer portanto em temperaturas da água tão “quentes” quanto 31C freqüentemente presente no litoral tropical ou em piscinas. Quanto maior a diferença de temperatura, maior a possibilidade de sua ocorrência. A síncope promove a perda da consciência e o afogamento secundário. Nenhuma explicação tal como estímulo vagal levando a súbita assitolia, fibrilação ventricular por grande descarga adrenérgica pelo frio ou exercício, ou outras razões menos prováveis foram comprovadas cientificamente como causa ou como síndrome comprovada (20,21). Estudos mostram que a ocorrência deste acidente pode ser reduzida se antes de entrarmos na água, molharmos a face e a cabeça(22).

FISIOPATOLOGIA DO AFOGAMENTO

Existem variações fisiopatológicas entre os afogamentos em água do mar e água doce. Apesar de cada um ter especificamente suas características, as variações são de pequena monta do ponto de vista terapêutico. As observações feitas por MODELL e cols.(23,24,25,26,27), demonstraram que as mais significativas alterações fisiopatológicas decorrem de hipoxemia e acidose metabólica.

O órgão alvo de maior comprometimento é o pulmão. A aspiração de água promove insuficiência respiratória e conseqüente alteração na troca gasosa alvéolo-capilar, e distúrbios no equilíbrio àcido-básico (12,27). As alterações fisiopatológicas que ocorrem dependem da composição e da quantidade de líquido aspirado. O mecanismo de alteração na ventilação após aspiração de água doce é diferente daquele em água do mar. Estudos(14,33,34) demonstraram que os afogamentos em água do mar não alteram a qualidade, somente comprometendo a quantidade do surfactante pulmonar, diferentemente dos afogamentos em água doce onde ocorrem alterações qualitativas e quantitativas produzindo maior grau de áreas atelectasiadas(34). A aspiração de ambos os tipos de água promovem alveolite, edema pulmonar não cardiogênico, e aumento do shunt intrapulmonar que levam à hipoxemia (14,34,35). Alguns autores descrevem uma maior gravidade na lesão pulmonar em água doce(14,33,36,37) outros estudos não apresentaram maior mortalidade do que os casos em água do mar(10,38) ficando a questão ainda em aberto. A reversibilidade total das lesões com a terapia apropriada é o usual (9,21,39).

Em animais de laboratório, a aspiração de 2,2ml de água/Kg/peso faz a PaO2 cair para aproximadamente 60 mmHg em 3 minutos(31,40). Em cães, a mesma quantidade provoca uma queda na PaO2 para aproximadamente 40 mmHg (26). Em seres humanos parece que aspirações tão pequenas quanto 1 a 3 ml/kg resultam em grande alteração na troca gasosa pulmonar e redução de 10% a 40% na complacência pulmonar (26,31,33,34). FULLER(41)demonstrou que em 70% dos óbitos há evidências de aspiração de partículas de natureza diversa como areia(39), algas e lama, e em 24% há presença de restos de vômito.

Estudos realizados em cães afogados em água doce, demonstraram que a fibrilação ventricular(FV) era secundária a distúrbios no potássio sérico(42,43). Entretanto, isto é raramente relatado em seres humanos, provavelmente porque estes raramente aspiram quantidade de água suficiente para provocar distúrbios eletrolíticos tão importantes(27).
A FV nos seres humanos esta relacionada a hipóxia e acidose e não a hemodiluição, hemólise e hiperpotassemia(27), uma vez que 85% daqueles que falecem não aspiram mais de 22 ml/Kg/peso(40), e como o volume crítico para a FV provocada por hemólise parece ser de 44 ml/Kg/peso, é provável que ela ocorra em menos de 15% dos casos(28,40). As alterações como a diminuição do débito cardíaco, a hipotensão arterial, o aumento da pressão arterial pulmonar e o aumento da resistência vascular pulmonar resultam da hipóxia e da acidose(10,33). Freqüentemente observamos intensa vasoconstricção periférica, devido à hipoxemia, liberação de catecolaminas, hipotermia, reflexo de mergulho ou, provavelmente à combinação destes fatores(44). Nos afogamentos por água do mar, a perda líquida para o pulmão não contribui para a hipotensão arterial que é secundária a depressão miocárdica provocada pela hipóxia(10,33). A taquicardia, o ritmo de galope e as extrassistolias são as alterações cardíacas mais freqüentes, e são reversíveis com a administração de oxigênio(10,44).

As alterações eletrolíticas podem ser observadas nos afogamentos de seres humanos, embora clinicamente sejam pequenas(27,28). Em trabalho recente com 187 aferições dentre 2304 casos (14), nenhum deles necessitou correção eletrolítica inicial, confirmando os achados de outros trabalhos(27, 28, 29). Não existe portanto, diferenças entre água doce ou mar quanto ao tratamento a ser empregado. Afogamento em, água salgada não causa hipovolemia, e em água doce não causa hipervolemia, hemólise ou hipercalemia.

O hematócrito e a hemoglobina estão usualmente normais após afogamento em seres humanos(24, 28). A hemólise só aparece com aspirações maiores de 11 ml/Kg/peso, o que raramente ocorre (30,31,32). A Leucocitose esta presente em mais de 50% dos afogados, em geral com elevação das formas jovens, em decorrência provável do estress traumático a que foi submetido, e não à infecção (33,34).

Cerca de 22% podem apresentar albuminúria transitória, cilindrúria ou ambos, o que provavelmente é secundário à hipóxia renal(35). A insuficiência renal aguda é rara(28,36,37).

Os afogamentos grau 3 a 6 cursam com hipóxia importante embora somente no grau 6 ocorra lesão potencialmente irreversível do SNC (14,38)(ver classificação de afogados adiante).

“Afogamento tipo seco provavelmente não existe” – Se a necrópsia não evidenciar água no pulmão, a vítima provavelmente não estava viva quando entrou na água“. Nem todas as pessoas que se afogam aspiram água em quantidade. Aproximadamente menos de 2% dos óbitos parecem ocorrer por asfixia secundária a laringoespasmo, portanto sem aspiração de líquido importante. O termo “afogado seco” muito utilizado no passado foi recentemente extinto da nomenclatura, já que todos os afogados aspiram alguma quantidade de liquido (39).

CLASSIFICAÇÃO DE AFOGAMENTO (14, 38)

A classificação clínica de afogamento é baseada em estudo retrospectivo de 41.279 casos de resgates na água, registrados por guarda-vidas no período de 1972 a 1991. Deste total, 2.304 casos (5.5%) foram encaminhados ao CRA. Os 38.975 casos restantes não necessitaram de atendimento médico e foram liberados no local do acidente com o diagnóstico apenas de resgate sem afogamento. Dentre o total de 2304 casos avaliados, a classificação foi baseada em 1831 casos que apresentaram uma mortalidade de 10.6% (195 casos). Considerando a avaliação destes parâmetros clínicos, e a demonstração de sua diferente mortalidade, apresentamos no algoritmo 1(14,40) um resumo prático de seu uso que esta de acordo com o último consenso de Suporte Avançado de Vida (ACLS) da “American Heart Association”(AHA) de 2000(17).

A classificação de afogamento leva em consideração o grau de insuficiência respiratória que indiretamente esta relacionado a quantidade de líquido aspirado, determinando a gravidade do caso. A parada respiratória no afogamento ocorre segundos até minutos antes da parada cardíaca (14,41). O quadro clínico do afogamento é altamente dinâmico, com piora ou mais freqüentemente com melhora clínica, seguindo-se um período de estabilização com uma fase de recuperação mais lenta. A classificação do grau de afogamento deve ser feita no local do acidente. Embora nem sempre possível, esta conduta demonstra a real gravidade e indica a terapêutica apropriada e o prognóstico mais preciso. A presença de patologia pregressa ou associada(afogamento secundário) representa um fator de complicação na hora de classificar o grau de afogamento e deve ser bem avaliada.

A gasometria arterial não é considerada na classificação, embora seja um exame complementar de extrema valia como veremos adiante(14,40).

A hospitalização deve ser indicada em todos os graus de afogamento de 2 a 6 (9, 14, 28) (ver algoritmo 1 – ACLS em afogamento) (14,17). A tabela 3 mostra a mortalidade geral para cada grau de afogamento, a necessidade de hospitalização e sua mortalidade pré e intra-hospitalar(14). Como a classificação é muito importante para profissionais que trabalham na cena do acidente como Técnicos em Emergências Médicas (TEM), socorristas, guarda-vidas, guardiães de piscina ou leigos que necessitem ou queiram aprender sobre primeiros socorros em afogamento apresentamos o algoritmo 2 em linguagem mais simples para o Suporte Básico de Vida em afogamento (BLS)(40).

Para os casos grau 6 ressuscitados com êxito, recomendamos a utilização das tabela 4 e figura 2 (41,42,43,44) para classificação prognóstica. Em todos os casos de afogamento em que o lazer na água precede o quadro de afogamento em algum tempo ocorre Hipotermia(14,40).

COMPLICAÇÕES

Nos pacientes hospitalizados, 60 a 80% não apresentam complicações,e 15% tem mais de 5(36,46,47).
Sistema Nervoso Central(grau 6): Convulsðes(15%), Edema cerebral(30 a 44% -diagnóstico clínico), e encefalopatia anóxica(20%)(48,49).
Aparelho respiratório(grau 3 a 6): Broncopneumonia ou pneumonia (34% a 40% dos pacientes que fazem ventilação mecânica), edema pulmonar (28% – diagnóstico clínico), pneumotórax e/ou pneumomediastino (10%), atelectasias lobares (20%), ARDS (5 %)(28, 50,51).
Metabólico(grau 2 a 6): Acidose metabólica (31%), alterações eletrolíticas (K, Na)(23%)(14, 24).
Outras complicações: Necrose tubular aguda (2%)(37), Hematúria (4%)(52), Cardiomiopatia anóxica (2%), hematêmese e/ou melena (4%), Sindrome de secreção inapropriada de ADH (2%)(7), e Outras (7%)(7,14).
Sepsis – Casos de choque séptico irreversível tem sido descritos na literatura nas primeiras 24 horas após o acidente(observação pessoal – Szpilman).

EXAMES A SEREM SOLICITADOS(14, 40) (ver algoritmo 1 – ACLS)

Grau 1 – Nenhum.
Grau 2 – Gasometria arterial e radiografia de tórax.
Grau 3 a 6 – Gasometria arterial, hemograma completo, eletrólitos, uréia, creatinina, glicemia, elementos anormais no sedimento da urina, radiografia de tórax, e tomografia computadorizada de crânio(se houver alteração no nível de consciência).
Gasometria arterial antes do tratamento(9, 23, 28): Grau 1 – normal; grau 2 – hipoxemia leve, PaCO2 normal ou baixo e acidose metabólica leve ou ausente; grau 3 – PaO2 < 50 mmhg, SaO2 < 90% e acidose metabólica moderada; grau 4,5 e 6 – PaO2 < 50 mmhg, SaO2 < 90% e acidose metabólica ou mista severa.
Radiografia de tórax(9, 39): As alterações radiológicas variam desde a presença de hipotransparência localizada até o edema pulmonar difuso. Na evolução radiológica é observada estabilização ou até piora nas primeiras 48 horas com resolução em 3 a 5 dias quando não há complicações. As alterações na radiografia de tórax não devem ser interpretadas como sinal de pneumonia e sim do preenchimento inicial dos alvéolos e brônquios com o líquido aspirado.

TRATAMENTO
PRÉ-HOSPITALAR com Suporte Básico de Vida (guarda-vidas) – Algoritmo 2
Para a utilização da classificação e abordagem terapêutica por pessoal técnico em suporte básico de vida(SBV) com utilização de equipamento de
oxigênio (guardiães de piscina e guarda-vidas) apresentamos o algoritmo 2, uma adaptação da classificação e tratamento em linguagem de fácil compreensão e treinamento. Nota adicional sobre o algoritmo 2 (BLS): O fato da aspiração de água ter predileção pelo segmento superior do lobo inferior direito, em razão da maior verticalização do brônquio fonte direito, levou a indicação de colocar a vítima de afogamento viva em decúbito lateral direito melhorando provavelmente a relação V/Q do pulmão esquerdo resultando em melhora na oxigenação. Embora sem comprovação científica, não parece causar nenhum malefício a vítima de afogamento. Em praias inclinadas a vítima deve ser colocada em posição paralela água, de forma que o tronco e a cabeça fiquem na mesma posição horizontal, permitindo o início da checagem da respiração e a RCP se necessário. A classificação de afogados irá então determinar qual é a melhor posição de colocar o afogado. Grau 1 a 3 – posição com a cabeça mais alta que o tronco em decúbito lateral direito; Grau 4 a 6 paralelo a praia até que a ressuscitação seja efetiva no grau 5 e 6 e até que a hipotensão seja corrigida no grau 4 e então coloca-se como nos graus 1 a 3 se não houver hipotensão arterial(53).

PRÉ-HOSPITALAR com Suporte Avançado de Vida e HOSPITALAR – Algoritmo 1
O casos de Resgate e graus 1 e 2 tem seu tratamento bem descrito no algoritmo 1(14,40).
Os Graus 3 e 4 necessitam de internação em centro de terapia intensiva por um período mínimo de 48 horas(14,40). A assistência respiratória nestes casos é o mais importante. Inicie a ventilação usando oxigênio a 15 litros por minuto sob máscara facial, e dependendo do grau de insuficiência respiratória e a disponibilidade de recursos no local realize a entubação oro-traqueal e a assistência respiratória invasiva sob ventilação mecânica(14,40). O paciente em Grau 3 e 4 reage muito à entubação sendo necessário o uso de drogas que promovam sedação (preferencia pelos de curta ação – midazolan), por vezes associado aos relaxantes musculares que só devem ser utilizado se houver certeza de boa ventilação mecânica controlada. A C-PAP (Continuous Positive Airway Pressure) associada a ventilação mecânica é um recurso importante(54). A C-PAP permite a manutenção de uma pressão positiva durante todo o ciclo respiratório, o que aumenta o recrutamento alveolar reduzindo as áreas de atelectasias e de alvéolos funcionalmente colabados, aumentando com isso a relação V/Q(diminui o shunt intrapulmonar)(25,55,56). A PEEP (Positive End Expiratory Pressure) é semelhante em sua função a CPAP. O uso precoce de ambos (C-PAP ou PEEP) encurtam o período de ventilação mecânica e hospitalização(9,12,57). A ventilação mecânica nestes casos deve ser iniciada imediatamente após entubação e sedação, com FiO2 a 100% e PEEP de 5 a 7 cm/H2O. A gasometria arterial (PaO2) indicará o quanto se pode reduzir a FiO2 após os primeiros 30 a 40 minutos. Os alvéolos são recrutados de forma lenta, razão pela qual devemos aguardar uma resposta terapêutica gradual(57). Não há provas de que o seu uso possa diminuir o líquido no pulmão, mas sabe-se que ocorre redistribuição da água para o interstício, tendo boa utilidade no edema pulmonar do afogado(30, 54, 57). Nunca retire o PEEP ou C-PAP antes de 48 horas mesmo que a FiO2 indique ser abaixo dos parâmetros convencionais a sua indicação. A retirada do PEEP só deve ser iniciada após um mínimo de 48 horas, de forma lenta, já que o edema pulmonar pode recidivar rapidamente em caso de retirada precoce. O desmame dos pacientes afogados em água salgada é 1.8 vezes mais rápido do que os de água doce.

O acesso venoso periférico é satisfatório para os estágios iniciais do suporte hemodinâmico. Nos casos de afogamento grau 4 a 6 onde ocorre instabilidade hemodinâmica, o suporte hemodinâmico é extremamente necessário embora em uma grande parte dos casos somente a correção da hipóxia é o suficiente para retornar a normotensão(14,40). No hospital, o paciente deve ficar em monitorização eletrocardiográfica(ECG) contínua, com verificação dos sinais vitais, ter uma veia profunda cateterizada para verificação da Pressão Venosa Central, sonda vesical para controle da diurese horária, e no caso de utilização de altos níveis de C-PAP/PEEP ou instabilidade hemodinamica não reversível nas primeiras horas, deve ser monitorado a pressão de encunhamento capilar pulmonar (PCaP) (7,50,56,57). A reposição volêmica deve ser feita de forma criteriosa, orientada pelas medidas acima, com soluções cristalóides, independentemente do tipo de água em que ocorreu o afogamento (14,40). A preocupação deve ser a de evitar o agravamento da lesão pulmonar e cerebral com o excesso de líquido administrado. As soluções colóides devem ser utilizadas somente nas hipovolemias refratária a reposição com cristalóides, onde deseja-se um rápida restauração volêmica (12, 14,40). Atualmente não existem evidências para suportar a administração, de rotina, de soluções hipertônicas e de transfusões para os afogamentos em água doce, assim como de soluções hipotônicas para os casos em água salgada(55). É contra-indicado à terapêutica que preconiza restrição hídrica e o uso de diuréticos no paciente com edema pulmonar não cardiogênico como são os casos de afogamento. A terapia por desidratação aumenta a hipovolemia que pode ocorrer no afogamento grave, reduzindo o débito cardíaco, a perfusão tecidual e o transporte de oxigênio, podendo agravar a já existente lesão hipóxica cerebral. A reposição hídrica deve ser orientada pelo débito urinário mantido em 0.5 a 1 ml/kg ou preferencialmente pelo uso da PcaP (40).

A acidose metabólica que ocorre em 70% dos pacientes que chegam ao Hospital(14, 57,) deve ser corrigida com o uso de bicarbonato de sódio quando o PH estiver inferior a 7.2 ou o bicarbonato sérico <12mEq/l.(24,28,35) se a vitima tem aporte ventilatório adequado(19).

Raramente há necessidade do uso de drogas vasopressoras ou inotrópicas(19,40). Os diuréticos de alça ou osmóticos podem ser utilizados em casos de hipervolemia comprovada, ou nos casos onde o débito urinário estiver protraído após restaurada a volêmia.

Os casos grau 5 e 6 após serem reanimados devem ser tratados como o grau 4 (ver algoritmo 1 – ACLS). Existem casos descritos de sucesso na reanimação de afogados após 2 horas de manobras de RCP(58). Fatores como temperatura da água, tempo da imersão, sinais de morte neurológica, e o uso de drogas são por demais controversos na literatura, não havendo até o momento nenhum fator confiável que possa indicar seguramente o prognóstico antes de iniciar a RCP (7,9,10,14,16,17,19). Muito se relata na literatura(46, ,58) sobre o melhor prognóstico dos afogamentos em água gelada (< 15C), pela ocorrência de hipotermia. Existem registros de vários casos de recuperação completa após prolongada submersão em água gelada. O maior tempo registrado até hoje, de submersão em água fria com recuperação completa, foi de 66 minutos(59). No Brasil, país de clima tropical, temos observado a presença de hipotermia em todos os casos de afogamento em água quente (> 15C) assim como outros autores(60), e a surpreendente resposta a RCP que estes pacientes apresentam(14). No verão de 1994 (praia da Barra da Tijuca-RJ), foram reanimados 4 pacientes com mais de 10 minutos de submersão em água com temperatura maior do que 150C (média de 20C) (2 faleceram em 6 horas, e 2 sobreviveram, 1 com seqüelas neurológicas graves e o outro sem seqüelas)(14). Allman et al(61) reportou resultados similares em águas quentes. O reflexo de mergulho ou submersão (“Diving reflex”) junto com a hipotermia são ainda hoje em dia aceitos como explicações para tais fenômenos(57,28,62) diferente de outras causas de parada cardíaca onde o prognóstico é inteiramente diferente(63,64). O uso da adrenalina no afogamento ainda é assunto controverso. Alguns advogam ser maléfico, outros que nenhuma vantagem neurológica existe com o seu uso. Entretanto alguns trabalhos mostram excelente resultados prognóstico(14, 65). Nós recomendamos o seu uso após 3 minutos de PCR com a primeira dose de 0.01mgr/kg i.v e 0.1mgr/kg a cada 3 minutos de PCR (14,40). Estas alta dose de adrenalina a partir da segunda dose é considerado classe IIa para crianças (32,75) e classe IIb em adultos(17) para casos gerais de PCR. O uso de “mega doses” de adrenalina aumenta a eficácia da RCP e o sucesso na restauração do pulso arterial(66,67,68), embora nenhum benefício sobre a função neurológica tenha sido comprovado até o momento(69,70,71). Parece bem definido que a depleção significativa do bicarbonato plasmático raramente está presente nos primeiros 10 a 15 minutos de RCP, contra-indicando o seu uso inicialmente(72).

Quando ocorrem seqüelas neurológicas, mesmo com a execução correta das manobras, deve-se pensar em falha técnica, retardo no início das manobras, longo tempo de submersão, e/ou alguma causa orgânica intercorrente (40). Os vômitos nos afogados submetidos à RCP permanecem como principal fator de complicação durante e após a reanimação e pode ser reduzido com o uso da posição do afogado com a cabeça a mesma altura que o tronco(14,53), evitando-se comprimir o abdome ou a realização da manobra de Heimlich e realizando a ventilação de forma correta evitando a distensão gástrica(5, 57,73). A manobra de sellick realizada corretamente nestes casos parece contribuir para uma redução na aspiração de vômitos. A ocorrência da fibrilação ventricular nos casos de afogamento não esta bem documentada, entretanto como apresenta melhor prognóstico que a assistolia, a desfibrilação as cegas é obrigatória – quando disponível – nos casos em que não há um monitor de ECG(72). Alguns serviços de salvamento nos E.U.A, Austrália e Brasil iniciaram a utilização de desfibriladores semi-automáticos nas praias pelos guarda-vidas. Possivelmente em breve teremos a documentação da ocorrência das arritmias no grau 5 e 6. Devemos dar atenção à temperatura corporal do paciente, uma vez que o sucesso da desfibrilação é difícil mas não impossível(72) em presença de hipotermia abaixo de 320C. Se houver assistolia, a RCP deve continuar até que a temperatura corporal da vítima alcance no mínimo 34 0C(28,72). Segundo Southwick e Dalglish “ninguem esta morto antes de estar quente”(74). Devemos ter cuidado durante a desfibrilação uma vez que o corpo molhado do paciente pode passar corrente elétrica para o médico lembrando-se também de retirar parte da areia no local de colocação dos eletrodos para um melhor contato.

OUTRAS MEDIDAS TERAPÊUTICAS HOSPITALAR
Infecção pulmonar e antibiótico – Até recentemente utilizava-se rotineiramente a profilaxia antibiótica nos casos de afogamento, esta medida hoje em dia segue indicações mais restritas. As infecções geralmente não apresentam nenhuma importância inicial nestes casos. A infecção pulmonar primária no afogamento esta diretamente relacionado a presença qualitativa e principalmente quantitativa de patógenos presentes na água aspirada. Em águas de piscina e do mar, o número quantitativo não é usualmente suficiente para promover pneumonia(75,76). A hipotransparência visualizada com freqüência na radiografia de tórax á admissão do paciente afogado, indica apenas o preenchimento dos alvéolos e parte dos brônquios pelo líquido aspirado, desaparecendo comumente em 48 a 72 horas(77). O edema pulmonar esta presente em todos os graus 2 a 6 (exceto em menos de 5% dos casos onde a aspiração foi mínima) devido ao líquido aspirado associado a reação pessoal com produção de transudato e ainda a passagem de líquido para o pulmão nos casos de afogamento por água do mar. A pneumonite entretanto é freqüentemente encontrada algumas horas após o afogamento podendo persistir por 2 a 6 dias sem contudo significar infecção. Nos quadros de afogamento onde há necessidade de assistência ventilatória mecânica, a incidência de pneumonia aumenta em decorrência de infecção secundária(78). Geralmente a infecção pulmonar que ocorre nos afogados (34 a 52% dos casos que necessitaram de assistência ventilatória mecânica) aparece no 30 ou 40 dia de hospitalização, quando o edema pulmonar já está praticamente resolvido(11,12,41,47,80). A melhor conduta inicial é a realização de culturas quantitativas diárias da secreção pulmonar e avaliação evolutiva da radiografia de tórax.
Indicações de antibiótico no afogado(40,77,78).
1 – Quando houver diagnóstico de Pneumonia (> 48 horas):
Þ Infiltrado novo e persistente na radiografia de tórax, após 48 a 96 horas.
Þ Secreção traqueal purulenta com mais de 25 polimorfonucleares e menos de 10 células epiteliais escamosas em campo de baixo poder de aumento.
Þ Presença de bactéria conhecidamente patogênica, isolada em cultura qualitativa de secreção traqueal, com crescimento de apenas 1 organismo.
Þ Leucocitose > 10.000 em ascensão, com 10% ou mais de formas jovens.
Þ Febre presente e progressivamente maior; ou,
2 – Quando a água aspirada tenha reconhecidamente um número de colônias igual ou > 1020(CFU/ml) – indica antibiótico de “imediato”.
Infecção Primária Suspeita – Cultura da água aspirada entre 108 e 1020.
Indica a necessidade de uso de antibióticos de início naqueles pacientes imunodeprimidos, podendo ser considerada em outros pacientes.
Infecção Primária Ausente – Cultura do aspirado <108.
Antibióticos: A realização do Gram pode orientar o espectro antibiótico, mas a cobertura para germes anaeróbios deve ser sempre feita.
Inicie o antibiótico de largo espectro com base na probabilidade do germe.
Germe provável conforme o líquido aspirado:
Afogamento em água contaminada por alta colonização bacteriana – Bactérias Gram negativas(Escherichia coli, Klebsiella spp, Pseudomonas spp, Haemophilus Influenzae) seguido de anaeróbios (Bacteroides spp, clostridium spp, Peptostreptococcus, Propionilbacterium spp), Aeromonas spp, Staphylococcus Aureus, Streptococcus Pneumoniae, Branhamella spp, and Candida spp(39,80).
Em paciente internados a mais de 48 h pensar em Infecção hospitalar – Flora mista, principalmente enterobactérias e Staphylococos.
1a Opção – Clindamicina + Aminoglicosídeo ou ciprofloxacina
2a Opção – Ampicilina + Sulbactam , ou amoxicilina ou ticarcilina + ácido clavulânico; ou imipenem-cilastatina como drogas únicas.
A broncofibroscopia pode ser util para a determinação da extensão e da severidade das lesões em vias aéreas em casos de aspiração com conteúdo sólido, para limpeza de corpos estranhos junto com o afogamento como ex: areia, e para coleta de culturas quantitativas.

Corticosteróides – O seu uso proposto a partir de 1968 por MODELL com bases empíricas(24), foi modificado em 1980 pelo mesmo autor após revisão de 121 casos(50), sendo abandonada a sua utilização com a finalidade até então proposta
de limitar a lesão pulmonar(80,2). Pode ser utilizado nos casos de
broncoespasmos refratários ao uso broncodilatadores via inalatória.

Abordagem neurológica – Apenas o grau 6 requer abordagem de tratamento para a encefalopatia anóxica (injúria hipóxica primária) que é potencialmente irreversível(14,40, 77). O objetivo é evitar a injúria neuronal secundária, com cuidados gerais como: Mantenha a pressão arterial média em torno de 80 a 100 mmHg permitindo uma perfusão cerebral adequada; evite aumentos da pressão intracraniana (P.I.C) mantendo a cabeceira do leito a 30 graus (se não houver hipotensão), evite compressões sobre a veia jugular e situações que provoquem a manobra de valsalva; mantenha a temperatura corporal em torno de 37C (cada grau acima, aumenta a taxa metabólica cerebral e a produção de CO2 em 10%); evite a má adaptação à ventilação mecânica usando sedação se necessário; faça uma adequada toalete oro-traqueobrônquica sem provocar hipóxia; trate as crises convulsivas reduzindo o consumo metabólico cerebral, o desgaste muscular desnecessário e o aumento da PIC; evite correções súbitas de distúrbios ácido-básico; não sede o paciente agitado antes de descartar o aumento da P.I.C, retenção urinária, dor, hipotensão ou hipóxia; mantenha a glicemia normal (hiperglicemia em vigência de hipóxia, pode aumentar a acidose cerebral e agravar o coma) (19,46). Diversas drogas e recursos vêm sendo utilizados ou estão em investigação para o tratamento ou para a limitação da lesão isquêmica cerebral e da hipertensão intracraniana(79). O prognóstico parece depender de uma adequada perfusão cerebral. Geralmente, o aumento da P.I.C. no afogado ocorre tardiamente, impossibilitando o uso de medidas terapêuticas mais efetivas após a sua constatação. Todos os estudos levam a crer, que a nossa intervenção terapêutica será realmente efetiva quando pudermos monitorar a pressão de perfusão cerebral, o fluxo sanguíneo cerebral, a PIC, e o consumo metabólico cerebral de forma não invasiva. Medidas agressivas como o coma barbitúrico e a hipotermia terapêutica foram popularizadas, entretanto tem se mostrado ineficazes nestes casos(57,58,80,81). Evite hiperventilação (PaCO2 entre 25 e 30) e mantenha a PaCO2 de 30 a 35 mmhg. O manitol pode ser utilizado criteriosamente nos casos onde houver aumento da PIC comprovado pela monitorização (7, 65, 75, 79,81).

Métodos em estudo: Com relação a insuficiência respiratória estão ainda em estudos em afogamento: oxigenação por membrana extracorpórea; surfactante artificial; óxido nítrico; ventilação líquida e; a ventilação pulmonar intra-traqueal(7).

PROGNÓSTICO
Devemos considerar que o afogamento grave – Grau 3 a 6 – tem potencial para provocar lesão sistêmica multi-orgânica(82). Com o advento dos novos avanços utilizados em terapia intensiva não há como negar todavia que a importância do sistema nervoso central no prognóstico predomina sobre os outros órgãos(7,14,40,50). Através da observação de diversos casos de afogamento, concluímos que os pacientes grau 1, 2, 3, 4, e 5 quando sobrevivem, raramente apresentam seqüelas, evoluindo para a cura em quase 95% dos casos (14,40). A determinação do prognóstico nos casos de afogamento grau 6 é dependente principalmente da existência ou não de lesão neurológica relacionada diretamente ao tempo e ao grau de hipóxia, embora diversos autores tenham tentado estabelecer parâmetros radiológicos e respiratórios para sua avaliação inicial(7,14,46,47). As crianças em grau 6, apresentam lesão neurológica com maior freqüência por possuírem boa condição cardiovascular prévia e maior facilidade no sucesso da RCP(7,48,83). Elas costumam evoluir rapidamente para a cura ou permanecem em estado de coma prolongado, onde a mortalidade e o índice de seqüelas são altos(65,79). Considerando todas as faixas etárias no pós-PCR (para os casos de RCP realizada dentro do hospital) 30% evoluem para encefalopatia anóxica(estado vegetativo persistente (PVS)), 36% morrem em alguns dias, e 34% tem alta sem seqüelas neurológicas(13,43). A necessidade de RCP em pacientes à chegada no serviço de emergência, em que não houve hipotermia resulta em morte ou em aumento do número de estados vegetativos persistentes(38,65,79,80). O uso de medidas agressivas(coma barbitúrico, hipotermia provocada) na proteção cerebral só parece aumentar esta estatística(57,79,80). Nenhum índice no local ou no hospital em relação ao grau 6 em prever o prognóstico é absolutamente confiável em relação ao óbito ou à sobrevida com ou sem seqüelas.

BIBLIOGRAFIA
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Martin Leray