O Estado de São Paulo
Domingo, 3 de setembro de 2006
VIDA& 
 
Biólogo dá bom exemplo com tipo orgânico
Alexandre Wainberg tentou em vão convencer seus vizinhos a investir na produção não agressiva ao ambiente
Roldão Arruda
Numa das margens de Guaraíras, nas proximidades da cidade de Goianinha, o biólogo e produtor Alexandre Wainberg tem uma boa notícia para os ambientalistas: tem produzido camarão em cativeiro de forma orgânica, sem ração nem produtos químicos. Melhor: o camarão de sua fazenda, certificada pelo Instituto Biodinâmico de Botucatu, especializado em atividades orgânicas, tem mais consistência e é mais saboroso que o dos vizinhos.

A diferença já atraiu a atenção de supermercados sofisticados e chefes de cozinha de São Paulo, para onde destina parte do que produz. Ele só não vende ainda para o exterior por falta de escala. Bem que tentou atrair os vizinhos para a formação de uma cooperativa orgânica, com chances de exportar, mas fracassou: "Tem gente que acha que sou maluco."

Ele trabalha há 25 anos com camarões. Antes de operar seu negócio - numa área de 46 hectares, concedida pelo poder público - trabalhava para grandes produtores.

Conta que apostou no orgânico depois de concluir que o Brasil trilha a mesma rota de outros países que enfrentaram desastres ecológicos por causa da produção desordenada. Em Guaraíras, observou, o cultivo já é tão intenso que, em certos momentos, quando a maré baixa, há mais água nos tanques do que na laguna: "Isso significa que a água não está limpa,ficando aberto o caminho para doenças."

O princípio que emprega na fazenda é o da convivência harmônica com o entorno: "Em vez de destruir, estamos promovendo a recuperação do mangue, copiando a natureza ao redor."

Em seus tanques há uma concentração menor de camarões do que nos dos vizinhos: "Não ultrapassamos a capacidade do meio ambiente de sustentar a população."

Ele só coleta água quando a maré está bem alta e fora dos períodos em que outros produtores despejam efluentes na laguna. Outra diferença é que não cria só camarões, tentando reproduzir a cadeia ecológica natural.

Em julho, começou a comercializar ostras e agora desenvolve pesquisas com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte para a criação de peixes e de algas. Para Weinberg, não é preciso destruir o mangue para lucrar com ele.
Tanques fora dos manguezais são alternativa
O método orgânico não é o único disponível para se evitar a degradação ambiental. A alternativa mais comum tem sido a criação em tanques fora dos manguezais. São supercriadouros, com solo higienizado - para evitar salinização e contaminação de lençóis freáticos - e processos de tratamento e reutilização da água.

Segundo o biólogo Alexandre Weinberg, esse sistema é utilizado somente por grandes produtores devido ao seu custo elevado, em torno de US$ 80 mil por hectare. No mangue, usando a água das marés, o custo gira em torno de US$ 10 mil.
Produção sem controle de camarão avança sobre os manguezais
Dez anos após o início da criação em cativeiro no litoral do NE, fazendas crescem e destruição ambiental, também
Roldão Arruda
Há cinco anos as autoridades federais do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) executaram uma megaoperação no Rio Grande Norte para verificar denúncias de destruição de manguezais por criadores de camarão em cativeiro. Foram encontradas irregularidades na maior parte dos viveiros inspecionados, o que deu origem a multas, ações judiciais e promessas de tornar mais eficientes os órgãos de fiscalização.

Na semana passada, com a assessoria de um ecologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a reportagem do Estado sobrevoou duas das áreas mais visadas naquela operação: a Lagoa de Guaraíras, que é na verdade uma laguna, onde as águas do mar e dos rios se misturam, e o estuário do Rio Curimatau. Não foi difícil perceber que a devastação continua.

No fundo da laguna, no lado oposto ao da bela Praia de Pipa, que fica na sua foz, uma vasta área do manguezal continua ocupada por fazendas de camarão, que não respeitam nenhuma margem de recuo, além de represar e desviar o curso dos rios. O pior, segundo o professor Aristotelino Ferreira, coordenador do curso de ecologia da UFRN, que orientou o vôo, é que alguns proprietários estão avançado com seus taludes de terra e madeira para dentro das águas da laguna.

"Isso afeta a qualidade da água", observou o especialista, que é pós-doutorado pela Universidade de Stanford, na Califórnia. "Na Tailândia, no Equador e em outros países onde já ocorreu a exploração desenfreada dos mangues, foram registrados grandes desastres ecológicos, com o surgimento de doenças virais que atingiram os ecossistemas e impossibilitaram até a cultura do camarão." No retorno do vôo de helicóptero, ele comentou: "Acabamos de ver o efeito Orloff. Somos a Tailândia e o Equador amanhã."

Destruir manguezais é crime ambiental grave de acordo com as leis brasileiras. Considerados bens públicos, eles são preservados devido à sua importância na cadeia alimentar marinha. Estima-se que cerca de 70% das espécies de animais do mar dependem dos mangues, que chegam a ser chamados de berçários marinhos. Mas, apesar dos estudos sobre sua importância e do rigor das leis, a devastação prossegue.

'CORRETOR DO MANGUEZAL'
Entre representantes de ONGs e cientistas da área ambiental, aumenta a sensação de impotência. Em Natal, a indignação da organização SOS Mangue chegou a tal ponto que seus diretores decidiram mudar de estratégia. Em vez de cobrar iniciativas do escritório regional do Ibama, agora querem fechá-lo.

"O Ibama é benevolente com os predadores. Fiscaliza pouco e depois perdoa ou reduz multas aplicadas pelos fiscais", acusa o professor de física Rogério Câmara, coordenador da ONG. "O Ibama é o corretor do manguezal."

Desde o início do boom da criação em cativeiro no litoral do Nordeste, em 1997, são feitas denúncias de desrespeito às leis. Mas a cada ano aumenta o número de fazendas em operação. Apenas no período entre 2003 e 2004, a área de criadouros no Brasil passou de 14.824 hectares para 16.598 - o que dá uma variação de 1.774 hectares, segundo números da Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC). Atualmente existem quase mil fazendas em operação. Nos anos 80 eram 20.

No Rio Grande do Norte, que concentra 41% dos criadouros no País, o camarão de cativeiro está em segundo lugar na pauta de exportação, perdendo só para o melão. Isso tem levado o governo local e de outros Estados do Nordeste a estimular o negócio.

Os mangues são as áreas mais visadas por produtores por causa do baixo custo que propiciam. Além da água farta e próxima, o movimento da maré propicia uma redução considerável nos gastos com bombeamento de água para dentro dos tanques.

O cultivo intensivo se assemelha ao das supergranjas, com frangos apinhados em pequenos espaços e tratados à base de ração. É comum o uso de substâncias químicas. Os produtores recorrem a antibióticos para conter o avanço de doenças; ao cloro, destinado ao controle de caranguejos que atacam camarões mais jovens; à cal, para a acidez do solo; e ao metabissulfito de sódio - antioxidante jogado sobre o camarão depois de retirado da água, para prevenir o surgimento de manchas.

Com poucas exceções, no final da colheita a água é descartada sem passar por lagoas de estabilização. No estuário do Curimatau, um dos preferidos pelos grandes carcinicultores, a população ribeirinha atribui ao despejo de efluentes e à degradação do mangue a redução no volume de caranguejos, camarões nativos e pescados. Reclamações semelhantes são ouvidas em outras áreas, segundo pesquisa realizada pela UFRN sobre conflitos sociais causados pelas fazendas.

Nos próximos dias, em Natal, o Ministério Público fará uma audiência pública, com a presença de órgãos ambientais do Estado e da União, para rediscutir o problema da devastação. Do outro lado, políticos que apóiam os carcinicultores também se movimentam. Há pouco a Assembléia Legislativa aprovou um projeto de lei que facilitava a exploração dos manguezais. Por pressão de ambientalistas, a governadora Vilma de Faria (PSB), candidata à reeleição, vetou o projeto.
 
Produtor critica ambientalistas
Licenciado do cargo para concorrer a uma vaga na Câmara, pelo PMDB-RN, o presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), Itamar Rocha, acusa os ambientalistas de defenderem interesses estrangeiros: "O Brasil é temido porque, graças ao clima, pode produzir durante o ano inteiro, enquanto os países concorrentes só conseguem em alguns meses. Por isso nos atacam, com apoio das ONGs, que recebem do exterior."

Rocha citou um estudo do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará realizado com imagens de satélite, segundo o qual a área de mangue aumentou no Rio Grande do Norte, apesar do camarão. Rocha atribui a mudança a fatores alheios à polêmica, como a maior salinização dos estuários.

Os ambientalistas criticam o estudo por ter sido custeado pela ABCC. No Labomar, o geólogo Luís Maia rebate afirmando que esse tipo de financiamento é comum no meio científico.
 
Conflito entre pescadores e produtores é freqüente
Degradação atrapalha sobrevivência da população; acesso ao mar é dificultado por cercas
O promotor Marcio Diógenes, que atua na área de Justiça de Meio Ambiente em Natal, sente tristeza quando cruza o estuário do Rio Potengi, na zona norte da cidade. Não gosta de ver a fazenda de camarão instalada no mangue daquela área. Nem de lembrar que há cinco anos ajuizou uma ação contra o empreendimento, por crime ambiental, e que até hoje ela não tem sentença definitiva.

"Entristece ver que a degradação continua", disse. "Foram derrubadas as liminares que suspendiam as operações e os donos têm permissão para continuar enquanto não forem vencidas todas as instâncias judiciais."

Em 2001, quando foi ao lugar para verificar uma denúncia, Diógenes ficou surpreso com o grau de destruição: "Vi empregados cortando, queimando e represando áreas com vegetação." Também surpreendeu-se com o fato de algumas instituições do governo local apoiarem a obra: "Entre os acusados, aparece o Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Estado."

A disputa jurídica no Potengi tem sido acompanhada com atenção por ambientalistas e procuradores de Justiça. Acredita-se que, no caso de condenação, servirá como um freio para futuras irregularidades. Do outro lado, a defesa alega que a área já tinha sido degradada no passado por empreendimentos salineiros.

Ao redor da fazenda é possível ouvir pessoas dizerem que se tratava de área de mangue. Uma delas é o pescador Severino Alves, de 58 anos: "Me criei aqui e sei que era mangue."

Ele lastima a existência de cercas para proteção dos taludes, pois elas dificultam o acesso dos pescadores ao mar: "Pra chegar à maré tenho que dar uma volta de dois quilômetros. E, pra piorar, o sururu, que vive na sombra do mangue, está desaparecendo."

Conflitos entre pescadores e carcinicultores são freqüentes, segundo Fábio Venzon, procurador da República em Natal. "Em alguns lugares foi preciso mandar derrubar cercas porque impediam o acesso à margem do rio, que é pública."

Venzon acredita que os problemas de desrespeito às leis ambientais seriam menores se os órgãos de fiscalização fossem mais inteligentes e agissem de forma integrada: "Do ponto de vista técnico e científico existem instrumentos, como o sensoriamento remoto por satélite, que permitem avaliar com precisão se o mangue está sendo destruído ou não ."

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