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Com a queda do Império Romano em 476 DC, a cultura
ocidental entrou em uma época de estagnação intelectual
que influenciou decididamente vários aspectos da
sociedade incluindo a medicina.
Paracelsus, em 1530, foi o primeiro a utilizar foles de
lareira com a finalidade de introduzir ar nos pulmões de
vítimas aparentemente mortas. Durante 300 anos foram
usadas adaptações desse método por toda Europa.
O primeiro movimento científico que conduziu a mudanças
se iniciou na Renascença e alcançou sua máxima expressão
no século 18. O trabalho de 2 grandes anatomistas do
Renascimento, Andreas Vesalius (1514 a 1564) e William
Harvey deram início a derrubada da inviolável "Verdade
Galênica". Em 1543, Andrea Vesalio, de 28 anos de idade,
publicou "De Humani Corporis Fabrica", um tratado de
anatomia humana que ia de encontro a teoria Galênica.
Este trabalho, baseado na dissecção de cadáveres de
criminosos executados, era bastante herético para a
época. Vesalio acreditava que somente dissecando o corpo
humano poderia ter conhecimento de seu funcionamento.
Vesalio descreveu a primeira tentativa de ressuscitação
em coração de cachorro. Usou traqueotomia e entubação
traqueal junto com foles para expandir os pulmões,
simulando a respiração natural.
Setenta e cinco anos depois, o médico Inglês William
Harvey continuou com o trabalho de Vesalio e foi o
primeiro a nos dar a descrição detalhada e definitiva do
sistema circulatório. Em 1628, publicou seu trabalho
sobre circulação sanguínea: "Exercitatio Anatomica de
Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus". Conhecido por
nós como "Motu Cordis", tinha somente 72 páginas, e
constituiu uma revolução na medicina e na biologia.
A era Renascentista embora tenha significado o despertar
de uma importante atividade intelectual, se desenvolveu
dentro de conceitos e crenças do cristianismo. A ciência
ortodoxa da época considerava que ao morrer o espírito
tinha de ser julgado, e esta "vontade de deus" não podia
ser contrariada. A possibilidade de tentar uma
ressuscitação era considerada uma blasfêmia.
Passamos ao século 18, onde a aceitação do conhecimento
do corpo humano tornou-se mais aceita, e com ela a
necessidade de desenvolvimento de métodos científicos
que levassem ao conhecimento, em um período chamado
"Iluminismo". Os líderes intelectuais da época
proclamaram que o mundo podia ser mais bem entendido
através da ciência e que os meios para chegar a verdade
eram os métodos científicos. Os quatros principais
componentes da ressuscitação (respiração,
compressão-circulação, fenômeno elétrico e serviços de
emergência) começaram a ser conhecidos e desenvolvidos.
Na época, as mortes que ocorriam inesperadamente (morte
súbita) eram as que mais provocavam ansiedade e
desespero. A causa mais freqüente na época era o
afogamento. O homem tentava restaurar o calor e a vida
ao corpo frio e inerte, aplicando objetos quentes sobre
o abdome ou chicoteando-o com urtiga ou outros
instrumentos.
No período compreendido entre, o século 18 e o século
20, diversos métodos manuais de reanimação foram
utilizados, alguns até como rituais. O índio
norte-americano enchia a bexiga de um animal com fumaça
e depois passava a espremê-la no reto da vítima afogada.
Esses métodos, na sua maioria visavam insuflar ou
desinsuflar os pulmões, manipulando o tórax e/ou o
abdome da vítima. A maioria, porém, sem conhecimento
fisiológico adequado, raramente resultava em sucesso.
Uma das primeiras citações sobre a utilização da
respiração boca-a-boca na ressuscitação apareceu no ano
de 1744. Um cirurgião Escocês, William Tossach, utilizou
a manobra para reanimar com sucesso uma vítima asfixiada
por inalação por fumo.
O primeiro esforço organizado na luta contra a morte
súbita foi realizado em Agosto de 1767, na cidade de
Amsterdã (Holanda), com a criação da "Maatschappij tot
Redding van Drenkelingen" (Sociedade para Recuperar
vítimas de afogamento - existente até o dia de hoje). As
sociedades de resgate de afogados se difundiram
rapidamente por toda Europa, assim como nos EUA. Estas
Sociedades tinham como objetivo principal encontrar o
caminho para a ressuscitação com êxito e começaram a
difundir informações sobre os cuidados na recuperação de
vítimas de afogamento e outros tipos de asfixia. |
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Quatro anos depois de iniciado o trabalho da Sociedade em
Amsterdã, 150 vítimas de afogamento haviam sido salvas
seguindo às recomendações (guidelines) da época:
a) Aquecer a vítima (se faz até hoje)
b) Remover roupas molhadas (se faz até hoje)
c) Drenar água dos pulmões posicionando-se a vítima com a
cabeça mais baixa que os pés (parou-se de fazer em 1993).
d) Estimular a vítima com técnicas tais como instilação de
fumaça de tabaco via retal ou oral (feito até 1890).
e) Utilizar o método de respiração boca-a-boca (se faz até
hoje)
f) Sangrias (parou-se de fazer há mais de 60 anos).
Não havia na época um limite de tempo para a reanimação,
considerando-se 6 horas um tempo razoável para o esforço de
ressuscitar.
Com a intenção de retirar a água, posicionava-se a vítima de
afogamento com a cabeça mais baixa que o tronco. Na tentativa
de melhorar esta manobra foi adicionada a pressão do tórax, de
forma a aumentar a saída desta água. Desta maneira nascia de
forma espontânea e ao acaso a ventilação artificial indireta.
Muitas vidas foram salvas desta forma. Fazia-se o certo por
razões erradas.
Em 1817, um médico Inglês, professor de medicina, Marshall
Hall (1790 a 1857) publica seu livro, intitulado "Handbook of
National Science of Medicine for Theologist", no qual a
compressão cardíaca e a respiração boca-a-boca eram
preconizadas como métodos de reanimação. Foram feitas várias
considerações como: perda de tempo no transporte da vítima; a
tentativa de restaurar a temperatura sem fazer ventilação
artificial era perigoso e ineficaz; a exposição da vítima ao
ar fresco era um benefício e o fato de a posição supina
bloquear as vias aéreas com a queda da língua sobre a faringe.
Surgiu então a proposta de alternar a posição do corpo,
abaixando-o e elevando-o alternadamente, 15 vezes por minuto,
conseguindo-se volumes de ventilação (70 a 240 ml) que
poderiam recuperar uma vítima.
Pouco tempo depois, Henry Silvester sugeriu elevar os braços
da vítima sobre sua cabeça, de forma a expandir desta maneira
a caixa torácica facilitando a entrada de ar aos pulmões, e em
seguida o socorrista colocava as mãos da vítima e as suas por
sobre o peito do afogado de forma a comprimir o tórax e exalar
o ar.
Benjamin Howard, um médico de Nova York, criticou as manobras
de Hall e Silvester e descreveu seu próprio método, conhecido
como método direto. Colocava-se a vítima sobre uma elevação e
enquanto um ajudante segurava a língua, o ressuscitador
realizava pressão, iniciando no abdome superior até o tórax em
uma freqüência de 15 vezes por minuto.
Em 1884, Braatz sustenta a recomendação da compressão cardíaca
e respiração artificial como método de tratamento da parada
cardíaca.
Em 1890, a "Royal Lifesaving United Kingdom" (Sociedade de
Salvamento aquático do Reino Unido - existente até hoje e
responsável pelo salvamento aquático na Inglaterra) formou um
comitê para avaliar as técnicas existentes. O presidente do
comitê, Edward Schafer, considerou todas as manobras
ineficientes e criou uma nova manobra técnica chamada de "Prono-pressão".
Apesar de toda oposição que teve, a Cruz Vermelha Americana
começou a ensina-la em 1910 (20 anos após). O método de
Schafer, tornou-se muito popular devido a sua simplicidade de
aplicação, requerendo apenas uma pessoa. Consistia em realizar
a expiração ativa e a inspiração passiva e ficou conhecido
como método indireto de ventilação artificial.
Existiam amplas variações geográficas na mecânica de seu
método de ventilação artificial. O método de Silvester teve
maior difusão na Alemanha, Holanda e Rússia, enquanto o método
de Schafer se desenvolveu principalmente na Inglaterra, França
e Bélgica e os países Americanos.
Na Dinamarca, em 1932, o Coronel Holger Nielsen desenvolveu
seu próprio método que combinava as melhores partes das duas
técnicas.
No Brasil, com seu grande litoral em praias e com o turismo
desenvolvido na Cidade do Rio de Janeiro, o processo de
desenvolvimento da ressuscitação acompanhou de forma
semelhante o que ocorreu em todo mundo (foto de ressuscitação
de afogado na praia de Copacabana em 1952).
Todos os métodos de ventilação indireta (Schafer,
Holger-Nielsen, Marshall Hall, Howard, Silvester, e outros)
foram idealizados com 2 propósitos principais: a ventilação
artificial e a retirada de água do pulmão nos casos de
afogamento. Todos tiveram grande sucesso no princípio do
século e certamente ressuscitaram muitas vítimas da morte.
Todos eles utilizavam o princípio contrário a fisiologia do
organismo, onde a inspiração era passiva e a expiração era
ativa, desta forma o volume corrente (quantidade de ar a cada
ventilação) produzido era geralmente inferior ao necessário.
Estes métodos são extremamente cansativos para o socorrista e
difíceis de serem mantidos além de 5 minutos. Foram baseados
na idéia de retirar água do pulmão do afogado, o que hoje em
dia se mostra desnecessário e até prejudicial. Foram
idealizados antes da noção da compressão cardíaca, sendo
possível ainda sim sua realização conjugada, porém com grandes
dificuldades em casos de PCR. Nos casos de trauma cervical é
impossível a sua realização. Nos casos específicos de
afogamento estes métodos indiretos de ventilação não podem ser
realizados dentro da água, o que hoje em dia é uma prioridade.
A partir da metade do século 20, com a melhor compreensão da
fisiologia aliada a pesquisa, os métodos de ressuscitação
foram aperfeiçoados. Diversas conferências sobre reanimação
foram realizadas, entre elas a pioneira de 1948, realizada
pela "National Academy of Science - National Research Council"
(NAS-NRC) (2), promoveram a divulgação e o debate amplo entre
sociedades e autoridades médicas, na tentativa da padronização
de condutas.
Em 1949, Archer Gordon realizou trabalhos de investigação em
estudantes anestesiados, curarizados e entubados. Faz menção a
respiração boca-a-boca mas não a realiza. Conclui que, nenhum
dos métodos propostos até o momento, nem mesmo suas
combinações, ofertam quantidade suficiente de ar (100/500 ml).
James Elam foi o primeiro investigador contemporâneo que
demonstrou que o ar expirado através do boca-a-boca era
suficiente para manter uma adequada oxigenação. Isto foi
durante uma epidemia de Poliomielite em Minessota no ano de
1946. Em viajem de automóvel a Kansas para um congresso
médico, foi acompanhado por outro médico que se interessou por
sua experiência. Este médico dedicou sua vida a investigação
da ressuscitação - Dr Peter Safar. Realizou experiências em
voluntários anestesiados que lhe permitiram chegar em 1957 a 3
conclusões principais sobre a respiração boca-a-boca:
1. Simplesmente inclinando a cabeça da vítima para trás se
pode abrir as vias aéreas.
2. A respiração boca-a-boca fornece uma excelente respiração
artificial.
3. Qualquer pessoa pode aplica-la facilmente e de forma
efetiva.
O método boca-a-boca foi adotado pelo exército dos EUA em 1957
e pela Associação Americana de Medicina (AMA) em 1958. Nesta
época, o médico Brasileiro Dr John Cook Lane, contribuiu
efetivamente para a pesquisa e difusão destes métodos em nosso
país.
A compressão cardíaca - No ano de 1883 o Dr. Franz Koenig
propõe em seu livro, a compressão torácica como técnica para
ventilar um paciente de forma artificial. Embora na posição
correta para a compressão cardíaca, ele a descreve para outro
fim. Seu assistente, o Dr. Friederich Maass, durante a
cirurgia de um jovem de 18 anos que havia tido uma parada
cardíaca durante a indução anestésica, inicia as manobras
antes descritas, a princípio lentamente, simulando o ritmo
ventilatório. Diante a falta de resposta aumenta a freqüência,
chegando a 120 compressões por minuto, e observa que o pulso
carotídeo se recupera, e em alguns minutos o paciente se
encontra bem.
Em 1901, Kristian Igelsrud recuperou uma paciente com massagem
cardíaca interna ao final de uma anestesia, com recuperação em
1 minuto. O primeiro caso Americano de massagem cardíaca (como
era denominado até poucos anos atrás) fechada ocorreu em 1904,
quando o Dr George Crile ressuscitou uma mulher de 28 anos de
idade cujo coração parou durante o ato cirúrgico.
Não se tem conhecimento do porque as técnicas de compressão
cardíaca não foram mais difundidas. Talvez porque, a parada na
respiração a princípio, parecia mais evidente e por esta razão
deve ter sido mais investigada. Na realidade a técnica de
compressão torácica na circulação artificial foi simplesmente
ignorada até o início dos anos 60 quando foi redescoberta.
O redescobrimento parece ter sido acidental no laboratório do
Dr. William Kouwenhoven na universidade John Hopkins em
Baltimore. Junto com os Drs. Guy Kinckerbocker e James Jude,
descrevem a massagem cardíaca após uma série de observações.
Publicam seus resultados sobre 20 casos de parada
cardiorrespiratória intra-hospitalar no ano de 1960 na revista
JAMA (Journal of American Medical Association).
Entre os anos de, 58 e 61, a respiração se combinou finalmente
com a circulação artificial (compressão cardíaca): Nascia a
Ressuscitação Cárdio-Pulmonar - RCP. Iniciasse assim uma nova
época onde a campanha anuncia "qualquer um, em qualquer lugar,
pode iniciar a Ressuscitação Cárdio-Pulmonar - RCP". Houve
então um período de demonstrações por todo mundo onde, Safar,
Kinckerbocker, e Jude explicariam que "as duas técnicas não
deviam ser consideradas como unidades separadas e sim que
ambas formavam parte de um mesmo "procedimento salvador".
No ano de 1962, Gordon e Adams produzem um filme de
treinamento de 27 minutos chamado "O pulso da vida". Este
filme foi utilizado em cursos de RCP por todo mundo e visto
por milhões de estudantes. Para aumentar o aprendizado foi
utilizada chave mnemônica para a ordem das manobras. Estava
criado o "ABC da Vida". A - Abrir as vias aéreas (Airways), B
- Boca-a-boca (Breath), e C - Circulação (circulation)
explicando a seqüência completa da RCP.
Por volta de 1960, Laerdal desenvolveu maniquim de treinamento
em RCP. O rosto da maniquim, foi inspirado no busto de mulher
desconhecida que morreu afogada em 1930 no rio Sena. O nome da
mulher nunca foi identificado, e a maniquim recebeu o nome de
"ANNE", e é mundialmente conhecida como "resusci-anne".
No ano de 1966, as recomendações são reconhecidas pela
American Heart Association - AHA e Cruz Vermelha Americana, e
finalmente publicada em definitivo, e de forma completa, na
JAMA. |
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